sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Semy (Capitulo 023)

(Capítulos anteriores: 001, 002, 003, 004, 005, 006, 007, 008, 009, 010, 011, 012, 013, 014, 015, 016, 017, 018, 019, 020, 021, 022)

CAPITULO 23

Foi com alegria que o povo de Semy recebeu o anúncio do noivado dos senhores de Semy. Há muito que não as viam como meras escravas mas sim como alguém especial. Wise Sage e Lann eram apenas dois dos entusiastas da futura união dos Elmer. O seu papel tinha sido importante na concretização dessa mesma união. De todas, Kate e Muriel eram as mais dedicadas aos preparativos. Viviam com intensidade os momentos em que se falava nas tradições e costumes antes e depois dos casamentos. Perguntavam regras, insistiam em preparar algumas das iguarias que fariam parte da festa, questionavam-se sobre a roupa a vestir. Jamie sorria perante tanta inspiração e dedicação. Quanto a si, deixava que acontecesse sem um plano previamente estudado. Não se preocuparia com pormenores ainda distantes.
Apesar de não disfarçarem o brilho com que se olhavam, Jamie e Dave mantinham uma certa distância perante quem os rodeava. Sentiam que todos os olhares caíam sobre si mas a responsabilidade sobre o reino continuava. Todavia, todos se aperceberam dos sorrisos e risos que agora os dois facilmente soltavam ao contrário do modo soturno com que já tinham habituado todos em Semy. Era difícil, mas muitas vezes eram vistos a tocarem na mão quando passavam junto um do outro. A felicidade tinha regressado em pleno à cidade.



Chegara o inverno, e as longas caminhadas pelos extensos quilómetros de terras começavam a ter uma frequência que os seis lamentavam. Era necessário viajar pelo reino de modo a verificar se tudo estava calmo e em ordem. A natureza por vezes proporcionava trabalhos e preocupações desagradáveis. Ao demonstrar o seu poder sobre os homens, destruía um pouco dos seus vestígios. Os Elmer não gostavam de deixar esses trabalhos para segundos, preferiam serem eles próprios a decidirem o que fazer no local. Os anos que o passado já levara eram testemunhas de um bom resultado.
- Vão ser dez dias a pensar em ti. - disse Dave abraçado a Jamie. - Vou sentir falta do teu corpo quente junto ao meu quando adormecer. Criei hábito...
- Volta depressa e inteiro. - pediu Jamie dando-lhe um longo beijo de despedida.
Dave abraçou-a e olhando pela janela da sala viu os cavalos prontos no pátio.
- Temos de ir.
- Nós levamos alguns guardas mas resta em Semy um grande grupo para proteger a cidade. - informou Leo beijando Muriel. - A cidade nunca fica desprotegida.
- Não vai acontecer nada de grave. - disse a jovem.
- Dan anda muito calado... Por esta altura já deve saber da novidade. - murmurou Dave abraçado a Jamie. - Estou com um receio de as deixar aqui... Parto preocupado. São dias demais longe de Semy.
- Tu sabes que precisas de fazer esta viagem. Sossega. Não te preocupes. Nós arranjaremos um meio de nos livrarmos dele se aparecer. Tu estiveste a ensinar-me umas coisas e passaste-me uma grande responsabilidade para as mãos na tua ausência. E já sabes como eu sou.
- Sei sim, cada vez mais. Recebi um tesouro sem fim dos céus.
- Não digas isso que me fazes sentir mal. Só quero que sejas feliz ao meu lado.
- E sou, muito. Tanto que por vezes até tenho medo de que seja um sonho que acabe depressa e eu acorde e...
Jamie colocou-lhe os dedos nos lábios e disse:
- Eu sou real. Tu és real. Mas só podemos viver um dia de cada vez.
- Puxem-me senão já não saio daqui!! - disse Clive agarrando-se ainda mais a Kate.
- Vamos. - ordenou Dave colocando a sua espada na cintura.
Saíram do castelo, subiram para os cavalos e entre olhares para o que deixavam atrás, abandonaram o pátio a galope. Acompanhavam-nos um grande grupo de guardas e carroças com os mantimentos e as tendas. As jovens mulheres correram para junto das árvores para verem melhor o caminho que os levava para fora da cidade. Abriram velozmente caminho pela planície.
Tristes, Jamie, Kate e Muriel regressaram às suas tarefas. Apesar de já serem consideradas as damas de Semy, não deixavam de executar os seus trabalhos diários. Prosseguiriam com as suas tarefas até ao dia do casamento. Ainda eram escravas e, por isso, não poderiam deixar de trabalhar arduamente. Com a ajuda de Lann, Dave passara a responsabilidade do comando da cidade para Jamie apesar da relutância com que esta negara tal tarefa. Perante a insistência do senhor de Semy e da concordância de todos, ela acabou por aceitar contrariada.
A notícia dos casamentos de Dave, Leo e Clive com as mulheres morenas trouxe para os habitantes de Semy um toque salutar de alegria. Era unânime o respeito para com as suas futuras senhoras. Todos possuíam por elas muita confiança, carinho, amizade e respeito acima de tudo. Contudo, a contrariar toda aquela felicidade reinava uma única e grande preocupação: Dan Tolos, o temeroso homem, amaldiçoado pelas gentes da cidade. As semanas passaram sem que tivesse dado um sinal de vida. Nenhum dos seus homens de confiança ou guardas se atreveram a cruzar-se com alguém de Semy. De Nastro, somente o vento trazia notícias, notícias que as nuvens tão bem guardavam. Para a povoação, o não aparecimento de Dan Tolos depois do confronto no pátio só poderia significar sarilhos. Os escravos mais velhos avisaram as mulheres de cabelos escuros de que quando Tolos não aparecia durante um longo período, era porque preparava algo contra Semy. Poderia não ser especificamente contra a cidade. Certos habitantes viviam o dia a dia sempre na expectativa de que poderiam ser eles, desta vez, os alvos preferidos das atitudes loucas de Dan. No seguimento da sua conversa, os escravos relataram os actos de Tolos que, no passado, provocaram a inquietação e a dor na povoação da cidade. Muriel, Jamie e Kate criticaram a calma dos Elmer perante as atitudes desse homem. Por mais que desgostassem de guerras, as três eram de opinião que chegara a altura, mais do que certa, para todo o povo de Semy se juntar e dar uma boa lição a Dan Tolos. Ele tinha de parar com as suas loucuras.
- Esse homem sabe que pode chegar aqui e fazer o que muito bem lhe entender porque os irmãos mantêm-se serenos. Acho tudo muito complicado e estúpido. - comentou Jamie quando se encontravam na sala de banhos. - Todos os gestos, todas as palavras têm um limite de tolerância. E pelo que me apercebi, esse limite tem sido desde sempre alargado para evitar que a dor se espalhe por inocentes.
- Lann disse-me que eles não gostam mesmo de guerrear e, além disso, prometeram ao pai antes de morrer que nunca fariam guerra contra ninguém. Soube isso pelo Lann porque... vocês sabem perfeitamente como eles fogem do assunto quando nele tocamos.
- É verdade.
- Mas Kate, este senhor de Nastro abusa! - afirmou Muriel. - Não existem duas forças poderosas neste país: existe só uma e ela tem o nome de Dan Tolos.
- Se formos a contar com a força do povo, Dan Tolos acabaria completamente sozinho e esmagado sem ter tempo de suspirar! - contrapôs Jamie. - Passa-me essa toalha, por favor. Obrigada.
- Eu acho que eles só farão guerra com alguém quando esse alguém os ferir profundamente por dentro. De outro modo... aguentarão tudo que o doido fizer.
- E ficou a saber-se que são irmãos... - lembrou Jamie pensativa. - Daí o peso do juramento que Dave fez ao pai.
- A partir do momento em que discutiram daquele modo na cozinha e no pátio, nada voltará a ser o mesmo e não sou só eu que o digo. Muitos já têm vindo dizer-me isso. - declarou Muriel com uma expressão preocupada. - E tu, Jamie, estás mesmo no meio do confronto dos dois senhores.
- Não me lembres isso que só sinto um medo que nunca senti na vida. Como se algo terrível fosse acontecer-me e eu não poderei evitar.
- Eles não vão entrar em guerra.
- Eu não tenho tanta certeza. - murmurou Jamie envolta numa toalha a observar Semy por uma pequena janela. - Confesso que nunca pensei que o Dan Tolos fosse tão... tão...
- ... tão giro.
- Sim, Muriel. Sempre o imaginei como sendo um homem de rosto aterrador, feio... mas não é assim. Foi um choque para mim. Ele é demasiadamente atraente. A sua beleza ofusca-nos a mente fazendo-nos ver uma criatura maravilhosa que na verdade não o é. Faz-nos esquecer todos os seus actos de puro terror. Como o exterior nos pode iludir em tanto...
- É difícil não olhar para ele. Aqueles olhos são magnéticos. Senão temos cuidado, dominam-nos. E a voz... meiga.
- Para falar a verdade, parece-me que não existem homens feios nesta terra. - observou Kate a sorrir. - Todos possuem a sua beleza.
Muriel riu e Jamie num sussurro quase surdo tentou acalmar a sua ansiedade.
- Nem que seja a da maldade. - E vestiu-se.

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