sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Semy (Capitulo 020)

(Capítulos anteriores: 001, 002, 003, 004, 005, 006, 007, 008, 009, 010, 011, 012, 013, 014, 015, 016, 017, 018, 019)

CAPITULO 20

Todos os anos pela mesma altura, o aniversário da fundação de Semy era comemorado por cada um dos seus habitantes. Durante um dia, ninguém trabalhava, todos se divertiam na grande festa que sempre tinha lugar naquela data. Mais um ano passou e a festa repetiu-se para alegria de todos. As pequenas e simples casas da povoação encontravam-se quase sem ninguém. O pátio fronteiriço à torre principal do castelo e seu pequeno campo em redor, foi o local escolhido para a festa. Bancos compridos, mesas enormes com muita comida e bebida, uma multidão cheia de alegria era o que se via em cada espaço do pátio. Risos e música, viviam por todo o lado.
Muriel e Kate, divertiam-se com todo aquele ambiente o mesmo já não se passava com Jamie. Ela parecia não ligar à festa. Não conseguia apreciar festas quando a sua atenção estava distante, centrada num problema. Pelo meio de alguns sorrisos, ficava pensativa. Desde que tivera a pequena conversa com Wise Sage, há sete dias atrás, que os momentos de melancolia tinham aumentado. Esse respeitável senhor também se encontrava na festa, e entretinha-se a tocar um alaúde, preto com decorações em pontos brancos, para todos aqueles que quisessem dançar. Junto a si, os verdadeiros músicos acompanhavam-no com vários outros instrumentos na sua maioria de cordas. O flautista saltava com o ritmo imposto pelas músicas. A alegria era contagiante!
Depois de ter dançado um pouco, numa grande roda, Jamie pegou em dois papeis, num bocado de carvão fino, numa faca e afastou-se do local da festa. Procurou o melhor lugar no relvado em volta do pátio e, à sombra de uma árvore, sentou-se. Dali, via um pouco da povoação e dos campos de culturas. Era o local ideal para um pintor se inspirar. Precisava desviar a sua atenção da festa porque não era ali que queria estar. Jamie esqueceu o que se passava atrás de si e começou a desenhar o que via à sua frente: os maravilhosos campos desprovidos das suas culturas, mas de onde tinham nascido ervas novas e pequenas flores do outono.
Quem seguia atentamente todos os seus movimentos era Dave. Calmo e meditabundo, sentou-se num lugar onde poderia apreciar ao longe a jovem mulher. Desviava de vez em quando os olhos azuis claros, para tentar disfarçar a sua vontade de estar sentado debaixo daquela mesma árvore. Precisava conter-se.
Ao repararem para onde ele olhava, Leo e Clive aproximaram-se da mesa. Encostado e apoiado nos cotovelos, Dave vi-os chegar. Enquanto que Clive se manteve em pé, Leo sentou-se ao lado do irmão no longo banco de madeira.
- Porque é que não vais lá? - incitou Clive com um leve sorriso. - Ela está sozinha. Não há ninguém nas proximidades.
- Não comecem...
- Aproveita!! Abandona um pouco o Dave Elmer e torna-te no Dave Egon. Vai ter com a tua felicidade. Esquece a cidade por momentos.
- Pensa somente em ti.
- Tu nem consegues divertir-te este ano na festa!! Nem uma dança teve a honra da tua presença.
Dave levantou os olhos para o irmão mas permaneceu em silêncio.
- Não adianta esconder porque já todos sabem.
- Não tenho tempo para romances.
- Dave, cala-te e vai ter com ela!!
- Nós temos de voltar para ali, para o centro da festa. Vamos dançar com o nosso par favorito. Ai a vida é bela!! Vá... vai... Faz uma tentativa... Olha, leva-lhe esta bebida.
Dave agradeceu com a cabeça e pegou no copo. Com os olhos indicou para que eles se afastassem. Quando Leo e Clive já não se encontravam junto de si, levantou-se e aproximou-se lentamente da árvore pretendida.
No caminho, pensava no que lhe iria dizer mas, no fundo, sabia que quando lá chegasse nada daquilo lhe diria. As palavras que mais queria exprimir ficavam aprisionadas à força na garganta. Costumava ser directo no que dizia, porém, agora tentava compreender o que se passava consigo. Ia para além do seu entendimento. Era como se voltasse a aprender tudo de novo. Não sabia como falar com Jamie sem ser para lhe dar ordens.
- Jamie... toma esta bebida. Está fresca. - disse ao chegar junto da árvore mas sem olhar para a escrava.
Como não recebeu resposta, colocou-se à frente da jovem mulher preparado para reclamar pela falta de palavras. Foi então que reparou que ela dormia profundamente. Ajoelhou-se e olhou para o rosto de Jamie protegido pela sombra da árvore. Estava tão tranquilo. Estendeu a mão e, por um pouco, não tocou nele. Queria tanto tocar-lhe... Mas não! Não poderia deixar-se dominar pelas demonstrações de afecto em público. Tinha de manter o respeito dos seus súbditos. Dentro do castelo, na privacidade dos seus aposentos, era tudo muito diferente. Aí, ninguém o influenciava, ninguém o fazia pensar nas consequências. Poderia ser ele próprio. E tinha de arranjar coragem para o fazer porque aquela mulher estava a deixa-lo louco e sem conseguir viver sem a ter nos seus braços.
Baixou o rosto num desassossego e foi quando reparou nos desenhos. Pegou nos dois papéis e admirou os traços. Um já se encontrava terminado, o outro ainda era um simples rascunho. Enquanto contemplava atentamente os desenhos, Lann aproximou-se da árvore e interrompeu a sua concentração dizendo:
- Desenha muito bem. Já vi outros desenhos seus. São muito bons.
Dave levantou-se e tentou disfarçar um sorriso de espanto. Afastou-se e Lann seguiu-o.
- Este... este está maravilhoso. Desenha mesmo muito bem. E eu que não sabia...
- Nunca procuraste saber. Há muitas coisas dela que desconheces porque não queres conhecer com medo que enfraqueça a tua posição de líder desta cidade. Mas isso é um erro.
Dave olhou-o comprometido e passou com a mão pelo cabelo e virando-se disse:
- Não sei o que dizer... Não me conheço quando estou junto dela. Só me apetece cair aos seus pés. Estou a ficar louco e não gosto! Não posso!!! - Observou novamente o desenho. - E com um pedaço de lenha queimada. Que mãos... Não são todos que têm este dom.
- Porque é que não lhe dizes tudo isso pessoalmente? Não sou eu o interessado em ouvi-las. Deverás dizê-las desse mesmo modo assim que acordar.
- Ora Lann, palavras, não passam de desabafos... Só iria desperdiçar palavras. Tenho responsabilidades bem mais importantes e não posso perder tempo do meu pensamento com romance. Não pos...
- Não acredito em nada do que estou a ouvir. Não me consegues enganar. Conheço-te desde que nasceste.
- Lann, eu neste momento não posso envolver-me com ninguém quando está prestes a rebentar uma guerra com Nastro.
- E porque será? Sabes bem que Dan a deseja e isso atormenta-te. Não é o facto da guerra ir começar... é o facto de que a podes perder.
- Não posso...
- Porque não lhe dizes a verdade? Porque não lhe contas o que sentes?
- Não sou homem de palavras bonitas.
- Nunca é tarde para iniciar uma boa mudança.
- Vamos terminar esse assunto, Lann. Vem. A festa está muito animada. Muito alegre.
- Nunca estiveste tão desinteressado da festa como este ano. A tua atenção está voltada para um outro lado. E enquanto não resolveres o que precisa ser resolvido nunca mais encontrarás sossego.
- Como podes saber tanto sobre mulheres, tu um solitário?
- Não sou eu o solitário aqui.
- Não compreendo como tu e o Wise acabaram sozinhos.
- Deixámos escapar quem não devíamos. Pensávamos somente em nós. Egoístas, tal como estás a ser. Perdemos a nossa felicidade junto de alguém. Por favor, não queiras repetir a nossa decisão idiota de outrora. Segue o conselho e aviso de Wise Sage. Jamie é uma excelente mulher para ti, é a mulher da tua vida.
- Já disse que não quero falar mais desse assunto.
- Eu bem vi o brilho do medo no centro dos teus olhos quando a viste nos braços de Dan Tolos.
- Não lembres esse monstro num dia de festa.
- Tenho de o lembrar pois é uma ameaça constante. Naquele momento só pensaste nela e todos se aperceberam desse facto. Por mais que queiras esconder, a população de Semy já percebeu o teu amor por Jamie. Dan Tolos trouxe esse amor ao cimo... Se insistires em negar o que é evidente, arriscas a perdê-la...
- Não posso acreditar no que dizes.
- É a verdade. Compreendo que sendo o principal governador de Semy não te podes libertar de um certo números de atitudes de modo a manteres o respeito da cidade... mas... e o teu próprio respeito? Como te sentirás se o perderes por nunca pensares em ti? Olha para o Leo e para o Clive... Eles estão felizes porque foram ao encontro delas. Falaram rapidamente com quem amam. Observa-os! Repara nos risos, nas expressões felizes. O combate foi ganho.
- Eles são eles e eu sou eu. Responsabilidades diferentes. E esta conversa terminou. - resmungou Dave a caminhar depressa.
Lann viu-o entrar para o castelo.
- Teimoso como o pai. - murmurou Lann ao olhar para Jamie que ainda dormia calmamente na sombra fresca.

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