terça-feira, 24 de agosto de 2010

Cascata

O dia estava quase a desaparecer mas eu continuava a caminhar por aquelas florestas dos montes de belas encostas fotografando o que sentia.
Desci e encontrei, quase escondida, uma lagoa onde imperava uma pequena cascata de águas límpidas.
Aquele dia tinha sido particularmente quente e, subitamente, apoderou-se de mim uma tremenda vontade de fazer algo que nunca tinha feito: nadar naquelas águas tal como vim ao mundo.
Olhei em volta e apercebi-me que era seguro, ninguém me veria.
Despi cada peça da minha roupa e provei a água com a ponta dos dedos do pé.
Tapando-me com as mãos, como que a medo de me expor, entrei nas águas.
O Sol descia para o seu leito lentamente e eu nadei.
A meio, mergulhei e deixei de ouvir o silêncio da cascata para ouvir o meu próprio silêncio.
Precisava de estar no silêncio dos meus pensamentos por instantes de paz.
Suspirei com a sensação de sentir a água daquela maneira, nua e crua.
Mergulhei de novo e quando apareci para respirar, num respirar de espírito livre, vi-te à minha frente olhando-me.
Assustada, tentei nadar, envergonhada com uma presença tão súbita.
Mas tu não deixaste.
Seguraste-me pela mão e num silêncio que não me fez falar também, levaste-me para junto da cascata.
Mergulhaste e eu senti que me rodeavas mirando-me.
Emergiste mesmo à minha frente e colado a mim.
Permanecemos calados, olhando-nos apenas.
Tocaste o meu rosto e aproximas-te o teu. Os teus olhos eram estranhos: grandes, escuros e hipnotizadores.
E, o beijo chegou, a medo.
E logo outro a seguir, ainda a medo.
E mais outro já sem medo.
O tempo pareceu parar e tive de escolher em te abraçar ou deixar que me abraçasses.
Deixei-te dominar-me.
Não conseguia explicar porque precisava ser submissa.
Nem as águas da cascata detiveram o explorar dos nossos lábios,
o descobrir dos corpos.
Mergulhaste de repente e deixei de me sentir para te sentir em mim.
Apetecia-me gritar. Será que podia? E o que saiu foi um uivo como nunca ouvira.
Emergiste devagar deixando à vista apenas os teus olhos que me luxuriavam, desventrando-me.
Sabias o que fazias debaixo de água.
Não querias que eu visse. Apenas que não me esquecesse de sentir.
E limitei-me a esquecer onde estava,
limitei-me a esquecer-me de quem era.
Quando abri os olhos, o Sol já se tinha posto e tu não estavas mais junto de mim.
Procurei-te, mergulhei e não te encontrei.
Ouvi então um uivo vindo da margem.
Afinal eras um lobo.
Solto, livre, misterioso, amante e... meu.

Acordo na minha cama,
exausta, suada, feliz e com a sensação que te conheço...

4 comentários:

  1. Lindo!...
    Grande poema!!!
    Gigante!... como gigante é a tua sensibilidade e o teu talento !

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  2. 'brigada pelas tuas palavras :-) Uauuu!

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  3. Emerges dos meus sonhos
    Como se há muito te conhecesse
    Sinto-te livre
    Amante
    Dentro de mim
    Quando te vais
    E não me esqueço!

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