quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Aquelas expressões

Admirei a cara e esperei pela correria das expressões.
Tombei ligeiramente o rosto para ver se algo saía do lugar.
Mas não. Ficou tudo preparado.
Tenho de entender o seu significado e não sei como.
Aproximo-me do espelho e começo a olhar para a ponta do nariz e levanto o sobrolho. Imediatamente os meus olhos saltam para aquele sobrolho levantado.
Como sou capaz de o fazer? Ginástica?
Obrigo o sobrolho a ginasticar, enquanto sobe e desce.
E logo atrás vem o sorriso que obriga os lábios a marcarem território.
Paro e passo com a mão pelo rosto como que apagando tudo para recomeçar de novo.
Começo a ver as rugas vincarem-se e a dominarem o rosto. Os dois sobrolhos quase que se tocam e os olhos semicerram num olhar que me dá arrepios de medo.
Medo? E eu sei o que isso é?
A sensação de raiva cola-me os dentes e fazem abrir a boca mostrando que todo o rosto está em sintonia com o que sinto.
Mas o que é a raiva? Saberei eu o que é?
Porém, quando me fixo, olhos nos olhos, enfrentando o poder do meu olhar, acalmo e volto à posição inicial.
Vejo as bochechas ficarem terrivelmente rosadas e só me apetece rir. A minha cara parece nascer e solto uma gargalhada.
Que som esse, estranho, que saiu da minha boca!
Curiosamente esta gargalhada faz mexer todo o meu rosto. Todo. Tudo se ilumina.
Devagar coloco a ponta dos dedos nos cantos da testa e começo a arrancar a capa.
Sai devagar como com que tristeza.
Guardo aquele rosto numa caixa, tapo e vou embora.
Um robot não tem expressões.
Precisa de uma capa humana para conseguir compreender o que transmitem.

Textos e ilustração criados para a Revista Visitações com o tema 'Expressões'

3 comentários:

  1. Muito bom! Mas... com a tecnologia actual, os robots já conseguem ter expressões... sim, eles têm expressões como: "Bom dia, senhor, em que lhe posso ser útil hoje?" ... coisas assim :)

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  2. É frente ao espelho, na liberdade total do nosso rosto, em que damos expressão ao que sentimos, sonhamos, desejamos, choramos, rimos e nos avaliamos por inteiro, nas forças e nas fraquezas, que nos encontramos, nus perante nós mesmos.
    "Apenas" expressões... sem palavras!

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  3. E nas expressões dizemos tanto não é? Beijokas aos dois :-)

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