quarta-feira, 28 de abril de 2010

A etiqueta

A fada saltitava no ar tocando levemente no chão com a ponta dos pés quando decidiu parar um pouco a brincadeira. Sentou-se no topo de uma escadaria e espreguiçou-se de tal maneira que até o último caracol do cabelo se esticou.
Foi então que reparou numa figura curvada sentada mesmo no último degrau, lá no fundo.
Olhou para o céu e deixou o vento agitar as asas descontraídas e recolhidas.
Afligiu-se quando ouviu um suspiro que a arrepiou pela angústia que transportava. Rodou a cabeça à procura de onde vinha tal grito. Elevando as sobrancelhas, compreendeu que aqueles lamentos saiam da tal figura sentada.
Levantou as asas e devagar flutuou até ela.
Aquela mulher desenhava, com um pau, linhas sem desenho. Não parava de suspirar nem de rabiscar no chão.
Ao se aperceber do rosto da fada bem perto de si, levantou a cabeça e enfrentou-a com um olhar desinteressado.
A fada sorriu mas do outro lado não conseguiu reacção semelhante. E então parou de sorrir.
- Porque o teu suspiro dói tanto? - perguntou a fada sentando-se ao lado da mulher.
Esta, baixou o olhar novamente e respondeu:
- Porque é a dor que sinto. - olhou de lado e prosseguiu - deixa-me fria e vazia.
- Como assim?
- Tenho a sensação que o amor é uma doença que me passam. Estranhamente fico eu doente. Curo, tornando-me doente. E porquê? Qual a razão? - E largou novo suspiro. - Quem se aproxima de mim, deixa-me assim. É uma dor que não se sabe de onde vem e está pelo corpo todo. É um peso forte demais. Não o quero mais!!
A fada não sabia o que lhe responder. Tentava perceber uma razão para a puder ajudar.
- Que tenho eu para que me façam isto? - Suspirou de novo e fechando os olhos acrescentou: - Gosto de ser quem sou e por ser assim usam-me e depois partem por acharem demais ou porque simplesmente ficam bem. Não me vêem como um futuro mas sim como uma mera passagem. Dou o meu melhor e desaparecem deixando-me cheia dos seus restos...
A fada sentiu as dúvidas e lamentos no olhar daquela mulher e colocou o seu braço à volta dos ombros para a reconfortar. Sentiu a varinha mágica da Paciência a agitar-se no cinto. Quando ia para acalmar a doida da varinha, a sua mão sentiu algo nas costas da mulher. Espreitou e viu uma etiqueta cravada bem no centro. Aquela etiqueta não estava ali. Tinha aparecido do nada.
As asas agitaram-se quando leu o lá estava escrito. A custo, a muito custo, arrancou-a das costas da mulher e entendeu toda a sua história.
- Agora já não tornará a acontecer. - disse a fada. E dando-lhe o que tinha retirado, mostrou-lhe as palavras.
Estava escrito: Cura para a dor.


(será que todos nós temos uma etiqueta escondida algures?)

3 comentários:

  1. "Cura para te sentires curado"
    De nada vale arrancar as etiquetas. O produto está lá, pronto para servir na próxima doença -:)
    Depois de cada cura ficará sempre mais forte!
    A "dor" pode ser nascimento ou crescimento.
    É bom renascer e crescer em cada dia!
    Nada acontece por acaso.
    Linda a fada! Linda a Mulher. As duas fazem uma Grande Mulher....TU

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  2. Não preciso dizer-te com quem me identifiquei nesta linda fábula, não é? Claro que sou a mulher, que dá amor, até se esvaziar, e que pede a Deus para ser amada intensamente de volta...
    Beijinhos e que fiques bem, és uma pessoa linda!

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