terça-feira, 13 de outubro de 2009

As bolhas rebentam

(Conto criado para o tema 'Redes sociais e o preconceito' num desafio lançado pela Ana Martins.)
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O dia estava particularmente bonito e a fada sentada num ramo da árvore observava o que se passava naquela rua perto da sua casa.
Nas várias janelas, havia algo diferente do habitual: uma cortina colorida, de cores em movimento, não permitia descobrir quem lá habitava. Espreitou por entre as folhas e viu que estas janelas criavam bolhas com palavras que passavam de um lado para o outro.
Abriu os olhos e perguntou o que seria aquilo. Nunca tinha visto tal coisa.
Numa das janelas, uma linda elfa de longos cabelos castanhos, recebia imensas dessas bolhas e aceitava-as com agrado. Porém, apenas algumas que lhe provocavam um belo sorriso. Atarefada, respondia a todas criando também as suas bolhas de palavras.
A fada saiu daquele ramo e puxada pela sua varinha mágica, que usava guardada na cintura, aproximou-se da rua.
As bolhas não paravam de passar de janela em janela, levando mensagens de uns para os outros. E brilhavam ao passarem pelos raios do Sol.
- Não consigo entender porque não se consegue ver quem está nas janelas... O que escondem? - questionou-se a fada levantando o sobrolho. - Porque não se mostram?
Esticou as asas e voou devagar até onde as bolhas mudavam de um lado para o outro. Desviava-se cada vez que uma passava por si, carregada de letras. Baixou-se mesmo a tempo de evitar o choque com uma bem cheia.
A sorrir, por nunca ter visto tal coisa, não conseguiu evitar que uma delas chocasse contra a sua perna e estoirou deixando cair as palavras. Atrapalhada, a fada tentou pegar nelas mas acabou por reparar que numa das janelas a cortina colorida estava a desaparecer. Revelou um elfo de belo porte sorridente mas tímido e chamou a atenção da elfa que vivia do outro lado da rua. Parada no ar, a fada olhou para as palavras que tinha nas mãos e viu que falavam de beleza, vaidade, beleza e mais beleza. Mas a conversa que aquelas palavras originavam era vazia e fria.
Outra bolha apanhou-a bem na cara e a fada aflita lá apanhou as palavras. Estas falavam de brincadeiras e passeios. Pelo canto do olho, viu outra janela a mostrar o seu inquilino: outro elfo esbelto mas muito cabeça no ar, despreocupado.
Quando tentou desviar-se de mais uma bolha, foi atingida na barriga e revelou mais uma janela com outro elfo: convencido e galanteador. As suas mensagens eram cheias de sedução e egoísmo.
Sem saber o que fazer perante aquela mudança de cenário, a fada constatou que as bolhas no ar tinham diminuído drasticamente. Agora apenas havia aquelas que provinham da última janela ainda misteriosa.
Nenhum dos ocupantes das 3 janelas descobertas se importou com a revelação do seu aspecto nem ousou sequer culpar a fada por estragar o aquele jogo.
Repentinamente, a varinha mágica começou a tremer e puxou a fada para cima fazendo-a rebentar com a cabeça a última bolha que por ali pairava.
O mais rápido que podia, tratou de apanhar as palavras, uma a uma, e ficou feliz com o que leu: sentiu sinceridade e amor.
Olhou para a elfa e sabia que era daquela janela que saiam as mensagens que mais gostava de receber.
Mas quando esta revelou quem por trás dele vivia, a elfa soltou um grito de profunda decepção. Era um duende narigudo e sem um dos olhos.
Sem saber o que fazer, e a olhar de um lado para o outro, a fada mantinha-se a flutuar no ar agarrada às belas palavras do duende.
Já habituado a reacções deste tipo, o duende baixou a cabeça apercebendo-se de que tinha perdido a atenção da sua amada. Durante tanto tempo conseguira manter o segredo da sua identidade e trocara mensagens com aquela linda criatura do outro lado da rua. Agora, estava tudo perdido.
A fada aproximou-se da janela da elfa e perguntou:
- Não o conhecias?
- Sim e não... Pensava que era um elfo como os outros.
- Mas porque trocavam mensagens sem se verem?
- Porque não conseguíamos ver para além das cortinas coloridas. Elas não mostravam quem estava lá. Apenas deixavam circular as bolhas com as mensagens.
- E porque entraram nesse jogo? - inquiriu a fada.
- Ora, porque era divertido!
- Mas tu nunca te escondeste.
- Não, porque sempre me quis mostrar.
- Não entendo... uns querem mostrar-se, outros querem esconder-se... Mas porque não se mostram todos?
- Não sei... - respondeu pensativa a elfa - O que sei é que não quero falar mais com aquele dali. Enganou-me!
- Enganou-te? Mas o que é que ele te fez se era dele que gostavas de receber as mensagens?
- Ora!! É um duende feioso!
A fada olhou novamente para a janela e viu o duende muito triste.
- Mas ele não te disse que era um duende?
- Bem... eu... também nunca lhe perguntei...
- Hummm... então não te enganou. -- A fada sorriu e sentando-se no parapeito da janela, recolheu as asas e continuou. - Tu é que querias que ele fosse um elfo como os outros porque gostavas das palavras que te enviava. E agora, porque o seu aspecto não é o que esperavas, estás a dizer que te enganou.
A elfa baixou o olhar e depois olhou de soslaio para o duende.
A fada continuou:
- Sabes bem que era quem te enviava as palavras mais sinceras e verdadeiras e tu estás a recusá-lo pelo seu aspecto? As palavras perderam o seu valor, é?
- Não... mas... mas...
- Deixaste, de repente, de gostar dele porque não é o que imaginavas? Então porque entraste tu num jogo em que desconhecias com quem falavas?
A fada abriu as asas e pairando no ar acrescentou:
- A beleza exterior esvanecesse com o tempo e pode trazer-te tristezas. Enquanto que a beleza interior dura, conforta-te, reforça-se dia a dia e faz-te mesmo feliz independentemente do aspecto que possa ter por fora.
Deixando uma elfa pensativa, que lançou um ténue sorriso ao duende, a fada abandonou aquela rua levada pela varinha mágica que já a encaminhava para outros lugares.

4 comentários:

  1. Bolhas que rebentam!
    São frageis pacotes que transportam sonhos, alegria, tristezas, decepções e ilusões...
    São mensageiras de palavras ocas ou palavras sentidas, contudo são pacotes que não distingue os interlucotores, preocupando-se que todo o recheio chegue são e salvo ao destino não olhando quem envia e quem a recebe...
    São frias? Talvez. Mas não são injustos pois estão sempre prontos a carregar o quer que seja de quem quer que seja.

    jumpsun.

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  2. Gostei tanto! Está mesmo bem feito! =D E a mensagem é tão verdadeira... =)

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  3. Obrigada pelas tuas amáveis palavras Pochinha :-)
    Foi um desafio engraçado e a história surgiu logo na cabeça.
    Já me pedem mais história da fada maluca ehehehehe.
    Bem hajas!! Beijoka

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  4. As bolhas não são frias: as bolhas são o que transportam. Transportam sonhos, alegria, tristezas, decepções e ilusões, como disseste, de quem as envia. São meras mensageiras.
    Mas um dia acabam por rebentar e revelar quem as envia :-))))
    Obrigada pelo teu comentário. Jumpsun. Bem hajas :-) beijoka

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